Nos dias 19 a 22 de novembro será realizada em Aarhus a Bienal de Arquitetura Midiática de 2014, que contará com a estreia mundial de "Mapping the Senseable City," uma exibição dos trabalhos coletados do MIT SENSEable Cities Lab. O artigo a seguir foi escrito por Matthew Claudel, um pesquisador no SENSEable Cities Lab, em resposta a essa coleção, explorando o que o futuro reserva para a arquitetura midiática, e implorando para que esta experimente ideias além de "telas de TV para se morar."
A Catedral ativada
Arquitetura Midiática é enfaticamente ambígua. A frase foi colada diversas vezes em uma variedade estonteante de projetos e produtos. Mas, além da imprecisão, a arquitetura midiática é atormentada por uma tensão inerente: as mídias são meios de comunicação dinâmicos, interligados e imediatos que atingem as pessoas em larga escala, enquanto que a arquitetura é fixa, singular e persistente no tempo. Conciliar os dois evoca associações desastradas com a Times Square, telas, LEDs integrados, paparazzi, ou, mais geralmente, com coisas que piscam.
A definição contemporânea é rasa, literalmente e figurativamente, sugerindo uma "arquitetura híbrida...displays de Light Emitting Diode (LED) integrados com o tecido das estruturas permitem que imagens proeminentes sejam integradas às fachadas...[com] consequências significativas para a paisagem e ambiente urbano; topias cinematográficas.” [1] Topias cinematográficas? Se a mídia é a próxima evolução da arquitetura, a cidade do século 21 será composta por telas de TV para se morar?
A palavra "mídia" foi apropriada (e empobrecida) por meio da transmissão e comunicação durante o século 20. Como um novo fenômeno social, a mídia (junto com seus derivados, novas mídias, multimídia, mídia de massa) foi avidamente estudada pela figura emergente do "teórico de mídia." Marshall McLuhan, pioneiro no campo, rejeitou categoricamente o conteúdo, concentrando-se no potencial do próprio sistema de transmissão de rede. Mídia, para McLuhan, não se tratava de informação, mas sim de ferramentas de transmissão de conteúdo, os intermediários entre fornecedores e consumidores. [2] Seus escritos apontam para uma definição mais ampla e anterior de mídia como simples coisas intermediárias, estruturas diplomáticas, membranas que negociam duas condições ou entidades.
Ou seja, arquitetura.
A definição mais simples de um edifício é "aquilo que faz a mediação" entre os seres humanos e seus ambientes climáticos ou sociais. Separar o espaço interior dos elementos, criando um invólucro térmico ou líquido em torno dos corpos humanos, é a função mais básica de um edifício. Além de abrigo, arquitetura também implica uma dimensão cultural, como um dispositivo para comunicar relações sociais - por exemplo, um palácio como elemento intermediário entre governante e súditos, ou uma catedral como elemento mediador entre Deus e o homem.
A arquitetura negocia discrepâncias espaciais, ambientais e sociais, criando condições únicas que afetam o comportamento humano. Ao entrar em uma catedral abobadada, por exemplo, os visitantes se dirigem para as bordas, mas permanecem orientados para o altar, baixam suas vozes, e restringem seus movimentos, tudo isso ao mesmo tempo que voltam seus olhos furtivamente para cima. Catedrais mediam um conjunto complexo de condições socioclimáticas, provocando uma resposta comportamental quase universal.
A arquitetura dinamicamente ativada do amanhã, com uma transfusão inebriante de tecnologias digitais, tem a capacidade de operar na escala e no ritmo das redes de telecomunicações do século 21. Mas se ela será algo além de enormes telas de televisão, (vítima de uma armadilha econômica, com anúncios comerciais do tamanho de edifícios, já familiarizada por Seul, Nova Iorque, Tóquio) ela deve envolver a capacidade histórica da arquitetura de proporcionar uma experiência háptica ambiental, espacial e social. Ou seja, abordar o corpo humano e suas relações dimensionais. "A arquitetura articula as experiências de ser-no-mundo e reforça nosso sentido de realidade e do eu", afirma Pallasmaa, "Isso não nos faz habitar mundos de mera fabricação e fantasia," [3] ...a arquitetura midiática tampouco, apesar da sedução de "mundos de fantasia". Além disso, a negociação emocional entre interior / exterior, e público / privado deve ser ativamente abordada. Embora a experiência tátil de uma catedral seja fortemente interiorizada, o potencial sensorial dinâmico da arquitetura midiática pode ser uma coreografia responsiva do externo e do interno. Ela abordará imediações e redes globais com impacto direto na percepção e comportamento humano.
Mapeando a percepção
Que a arquitetura se tornará mais integrada com a tecnologia é um fato, e à medida que isso amadurece, a operação e a abrangência do impacto dos elementos digitais podem se desenvolver a partir de diferentes caminhos. Em algum momento decisivo na profissão, "arquitetos midiáticos" serão responsáveis por articular a amplitude dos domínios perceptivos que suas estruturas mediadoras (edificações) irão abordar - seja , visual ou auditivo, tátil ou hidrológico. Profissionais na vanguarda da arquitetura midiática estão se movendo ao longo do mesmo vetor geral, no sentido de manipular uma gama mais ampla de estímulos ambientais, respostas ativas do edifício e redes integradas, mas há uma bifurcação problemática quando se trata de casos concretos.
Dos projetos que hoje existem – o pioneiro Institute du Monde Arabe, a Galleria Centercity do UNstudio, a NOVA installation por ETH na Zurich Train Station, o equipamento de superfície adaptativa cristalina da ARUP, as Abu Dhabi Investment Council Headquarters Towers, e muitos outros – a grande maioria dos trabalho realizados tratam exclusivamente da luz. Uma minoria escassa aborda um escopo mais amplo de parâmetros humanos, táteis e ambientais, e - não por coincidência - essa divergência mapeia claramente a (longa) linha divisória entre aplicações artísticas e comerciais.
Por que a luz? Muito simples: ela é compreendida. A luz é mensurável e seus efeitos são quantificáveis, com consequências econômicas diretas. Tecnologias de iluminação e sombreamento futuristas são negociáveis, tanto em termos de retórica verde e eficiência, e elas podem até mesmo se integrar aos sistemas de climatização existentes. É uma escolha clara no setor privado. Por exemplo - apesar de seu nome promissor - The Adaptive Building Initiative [A Iniciativa de Construção Adaptativa] visa simplesmente "controlar os níveis de luz, o ganho solar e o desempenho térmico; os sistemas adaptativos da ABI reduzem o consumo de energia, aumentam o conforto e a flexibilidade do ambiente construído". [4]
Fora das estratégias de iluminação, a indústria se esforça para preencher a lacuna entre valor estético e comercial. A arquitetura espacialmente e hapticamente dinâmica continua a progredir lentamente e ao acaso. Experimentações de vanguarda estão começando a mostrar as possibilidades da verdadeira arquitetura midiática, mas não suas implicações. E é aí que se impede o desenvolvimento.
A experiência tátil é em grande parte desconhecida, em um sentido científico, mas a ampla adoção da arquitetura midiática verdadeiramente significativa depende de pesquisa e de uma compreensão mais profunda da percepção espacial. Nós simplesmente não sabemos como os seres humanos respondem a uma variedade de estímulos ambientais. Artistas como Olafur Eliasson são inquietos quanto a isso - um sentimento que rende a seus projetos um poder visceral - mas os cientistas não. Projetos artísticos ou especulativos são mutações aleatórias, tiros no escuro, muitas vezes com resultados animadores, mas erráticos. Os núcleos de um paradigma emergente pode ser visto em projetos como a Rolling Bridge do Heatherwick Studio, em dECOi’s Hyposurface de pixels inconstantes, e no Senseable City Lab’s Local Warming. No entanto, o peso, hoje, está em que os pesquisadores se envolvam em um processo de investigação científica sobre a resposta tátil. Sem uma compreensão rigorosa do modo como os seres humanos percebem e habitam o espaço, tecnologias que atendem essa condição são, na melhor das hipóteses, um sucesso inexplicável ou, no pior dos casos, um fracasso decisivo.
Na sua forma mais convincente, a arquitetura midiática provocará transformações comportamentais da ordem de uma catedral, mas de forma dinâmica, imediata e responsavelmente: as associações fundamentais entre o corpo humano, o espaço e as redes serão reconfiguradas. Essa reconfiguração implica em quatro elementos - a percepção humana, o comportamento humano, tecnologias sensoriais, ambientes ativados. A verdadeira arquitetura midiática fechará o ciclo de retroalimentação entre estes, ao passo que as pessoas participem ativamente do espaço. "Faz diferença se você tem um corpo que se sente parte de um espaço, ao invés de ter um corpo que está apenas em frente de uma foto ... há um sentimento de consequências". [5] Para a arquitetura midiática ganhar força e ser implementada com confiança, este "sentimento" deve ser entendido. Os elementos de uma experiência espacial dinâmica devem ser rigorosamente estudados isoladamente e como um sistema, para se chegar a um modelo perceptivo - e só então as tecnologias da arquitetura midiática poderão ser realizadas de modo informado. O desafio, conforme a arquitetura midiática amadurece, será o de despertar consequências táteis de forma significativa e sistemática, para além de experiências artísticas ou imagens cintilantes incorporadas ao ambiente construído.
Matthew Claudel é um pesquisador no MIT SENSEable City Lab, onde trabalha em uma vasta gama de projetos nos campos do design, escrita, arquitetura, arte e tecnologia.
Referências
[1] mediaarchitecture.com
[2] McLuhan, Marshall. Understanding Media: the Extensions of Man. 1964.
[3] Pallasmaa, Juhani. Os Olhos da Pele: A Arquitetura e Os Sentidos. 1996.
[4] Adaptive Building Initiative Website
[5] TED Talk by Olafur Eliasson